Precisamos lembrar que no paciente com câncer, o medo da dor vem em primeiro lugar. É maior, inclusive que o medo da morte. Não sem razão, porque em cerca de 70% dos casos o paciente terá alguma dor, e em 50% dos casos, dores de maior intensidade.

“Por que o câncer causa tanta dor?”

Isso está relacionado a diversos fatores; o tumor, os tratamentos com rádio e quimioterapia, as cirurgias, biópsias. O tumor, que nada mais é do que um grupo de células sem função que invadem e destroem as células “boas” de algum órgão ou região do corpo, podem “machucar” nervos, ossos (causando fraturas, por exemplo), tendões, ligamentos, cápsulas. Tudo isso leva à dor.

Temos ainda a radioterapia que pode também “queimar” a pele e demais estruturas como os nervos. O mesmo pode ser causado pela quimioterapia. As cirurgias, importantíssimas e fundamentais na maioria dos casos, por causarem lesão de tecidos, acaba aumentando o potencial para dor nos casos de câncer. Assim, temos diversos tipos de dores no paciente com câncer que normalmente se apresentam juntas: neuropática (por lesão dos nervos), nociceptivas (por lesão de tecidos), são as principais.

Agora que temos esse “mundo” de dores, percebemos ainda um dado alarmante: segundo um estudo europeu publicado em 2009, apenas 5% dos pacientes com câncer eram tratados por um especialista em dor. Realmente o temor da pessoa não é de todo infundado. E para agravar essa situação, temos no paciente uma importante parte, digamos que, desperdiçada do tratamento. Isso porque o próprio paciente muitas vezes, por medo ou receio de que o médico não dê a devida atenção ao problema do câncer, simplesmente esconde o verdadeiro quadro doloroso. Claro que nós, médicos, precisamos dar abertura e questionar ativamente sobre sintomas dolorosos naqueles sob tratamento. Porém, devemos lembrar que o paciente que está sem dor ou com o quadro doloroso razoavelmente controlado, responde melhor ao tratamento pois consegue se movimentar mais e melhor, dorme melhor, come melhor, tem uma melhora do humor; e tudo isso contribui sobremaneira para a melhora da qualidade de vida e da sobrevida.

E apesar de todo esse universo de dores no paciente com câncer, temos diversas ferramentas para o tratamento. A própria cirurgia, ao remover o tumor, já pode resolver boa parte do problema, o que também pode ser alcançado junto da radio e/ou da quimioterapia.
Mas agindo na dor propriamente dita, geralmente iniciamos o tratamento através de medicamentos analgésicos baseando-nos na escada analgésica proposta pela OMS. Ela inclui desde analgésicos simples, passando por anti-inflamatórios, até antidepressivos, anticonvulsivantes e opioides, entre os quais está a morfina (que pode ser usada tanto por via oral, quanto intravenosa e até diretamente no sistema nervoso), metadona e o fentanil, que também pode ser usado na versão de adesivo.

Para aqueles que não melhoram, ou que apresentam efeitos colaterais indesejáveis, ou mesmo a depender da intensidade e tipo da dor, podemos lançar mão do tratamento intervencionista da dor, que consiste no uso de técnicas pouco invasivas, geralmente utilizando agulhas e algumas vezes cateteres, para o controle da dor. Dessa forma, são realizados bloqueios e radiofrequência de determinados nervos e estruturas do sistema nervoso, além da infusão de morfina diretamente no sistema nervoso, através da bomba de morfina, que nada mais é que um dispositivo que fica debaixo da pele do paciente e libera doses mínimas e controladas de morfina, que pode ainda ser combinada com outras medicações.

Para finalizar, precisamos ter em mente que apesar de ser esperado, não é para achar “normal” sentir e guardar a dor para si. Ela tem tratamento para a maioria dos casos, e de forma resolutiva e pouco invasiva. Contando com um time de diversos especialistas: médicos oncologistas, cirurgiões, clínicos, especialistas em dor, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, religiosos.

Não “guarde” sua dor! Fale com seu médico!